quarta-feira, 14 de dezembro de 2011

Estamos presos ou aprisionados?


(trecho do livro Cidade Esperança)

Então Fortuna olhou para torre da Igreja e perguntou.

- Mas, aqui estamos. E me pergunto onde está a nossa casa? Para onde iremos quando isso acabar.

Lia, naquele momento percebeu que Estevão tinha certa razão em sua loucura. O mundo não havia se auto destruído. Havia ainda pessoas vivas espalhadas pelo mundo. E que a qualquer hora o período de refugiados teria fim e seria necessário que tomassem a própria decisão ou alguém tomaria por elas.

As duas amigas caminhavam pelos corredores do mosteiro e partilhava aquela situação de sobreviventes um cataclismo ainda sem explicação..

- Fortuna, muitas das vezes as pessoas após grandes tragédias mudam de cidade para se afastarem das lembranças ruins que povoam os pensamentos. Nos com certeza daqui a pouco seremos as próximas

- Sim, mas para onde? O que sobrou do mundo. Em qual destes lugares não existe destruição O que resta para que mesmo assim, ainda exista esperança? o que levaremos? O que é nosso? O que será das outras pessoas? Uma vida tranquila este era o desejo de cada um antes de acontecer tudo isso? Falava Fortuna, embargando a voz.

A forte estrutura de pedra e organização continua calcada no silêncio do mosteiro foi interrompido pela doce voz de Lia. Ao contemplar a segurança oferecida pelo mosteiro.

-Este é um lugar que gera em nos esperança. Imagina quantas pessoas não estarão caminhando como baratas tontas por essa cidade. Muitas delas chegam aqui e cessa-se o medo a angustia, a fome e recobram a esperança. E você com este questionamento. Parece um insulto.

- Lia essa é a função desse lugar ser refugio, lugar de repouso e abrigo a todos que estão desesperados. Mas, nem todos nasceram com vocação para viverem aqui. Para cada lugar uma missão. A cada missão um comportamento. Conseguiremos suportar por quanto tempo?

- Sim, mas acho super divertido as nossas reuniões as mesas. Nunca vivi aqueles momentos onde falamos do nosso dia, a onde alguém deixa o alimento preparado. As laranjas cortadas. E todos levantam ao mesmo tempo e se dirigem para cuidar da louça.

- Lia esse o cuidado que devemos ter com nossas famílias. Estas coisas não são novas para mim. Sou de uma cidade bem pequena aonde o barbeiro conhece o homem que vende verduras, a donas de casa sabe quem é a mãe do fulano e se torna responsáveis pelo menino que brinca com o seu filho.

-Nossa como é diferente de onde nasci. Sempre fiquei imaginando como era sem graça morar em uma cidade do interior a onde todos se conhecem todos. Lembra-me um filme muito a antigo chamado “O Show de Truman[1]” Já assistiu?

- Sim, já ouvi falar. Um filme em que mostra a vida de um homem que é controlado pela TV.

-Sim como a vida da interior tudo acontece do mesmo jeito. A menina da esquina que tem que casar com o garoto de óculos da casa verde. A rua de cima que briga com a rua de baixo. A menina mais bonita da rua não dá bola para ninguém e comumente é a mais rica. Tem sempre uma velha chata, um bêbado louco, uma menina que engravida e torna-se mau exemplo para todos. Gosto de ver aquela realidade e imaginar se a minha vida pudesse ser congelada e todos os dias reparar algo.

-Lia você imagina que a sua vida foi algo livre e autônomo. Pois penso o contrário talvez você tenha sido uma das pessoas mais presas, não por culpa sua, mas pela ilusão que já conhecia tudo.

- Como assim não entendi? Resmunga Lia sentindo-se insultada.

- Quando você me falou do “Filme o Show de Truman” lembrei-me quando cheguei a Londres. Era uma metrópole. Eu uma escandinava das casinhas de mesma cor. Por causa do meu tamanho alguns dizem que eu parecia aquele bonequinho “Lego” com andar de robô e olhos enormes. Explicava Fortuna.

- Olhando bem, até que parece. Brincou a amiga

Fortuna seguiu dizendo:

- Quando cheguei àquela cidade percebi como o as minhas amigas que já moravam lá algum tempo compravam roupas, vestidos e sapatos da moda. Às vezes só mudava a cor ou o tipo de material. Mas mesmo assim elas tinham que comprar. Em uma semana era xadrez o tecido em alta em outra não. Na verdade uma prisão de falta de identidade, ou poderia dizer que a falta de identidade era não ter identidade.

- Mas, é isso nos desejamos não ser aprisionados. Por isso o desejo de não ter rótulos O filme questiona esta manipulação. Tentou explicar Lia com um leve sorriso.

Fortuna foi direta em suas palavras, sem chance para a amiga se defender:

- Acorda no filme que está presa é você. Não o personagem, Na verdade o personagem é o primeiro a se libertar. Você já se imaginou todos os dias ligar a TV, para ver alguém fazer a mesma coisa. E o mais interessante é que ele não sabe o que está acontece. Mas, você sabe. E quer me dizer que ele está preso.

Fortuna recapitulou algumas parte do filme para a amiga cosmopolita

— Pela manhã você compra o cereal, o carro, o cortador de grama, a TV, a última temporada. E você quer me dizer que o personagem é que está preso? Faz-me rir, fico imaginando quando era criança meu pai cuidando das vacas no celeiro. De um lado meu pai pensava

– No próximo aniversário farei um ótimo churrasco.

E do lado de lá das cercas pensava as pobres vacas:

- Ainda bem que o temos para trabalhar por nos!



[1] O Show de Truman, O Show da Vida (The Truman Show / EUA, 1998 – 103 minutos) Jean Carey faz o papel de um corretor de seguros, que vive em uma espécie de programa de televisão. Ao quais milhares de pessoas assistem. Direção: Peter Weir.

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