quinta-feira, 12 de janeiro de 2012

Um celular disfarçado de Orelhão!


Alguns dias atrás, devido à avançada miopia, retornei ao oftalmologista para uma consulta necessária e habitual. Mas, de todos os males e medos possíveis de ver 11,5 graus elevar-se a12 graus de pura cegueira (E não vale gritar “DOZE! TRUCO, Ladrão"). Vivenciei uma situação deveras popular nos dias atuais, Algumas pessoas a falarem loucamente ao celular. Sem contar com aqueles sonoros e inimagináveis toques (Ai se eu te pego... e vários outros). Talvez estejam a pensar “já estive nesse mesmo consultório oftálmico”. Mas, acho que não seja mera coincidência, realmente é possível.

Era para ser uma simples consulta, porém, tornou-se uma experiência que ouso denominar Conflito-sócio–global vulgo “barraco”, desculpe o neologismo. Mas foi isso mesmo que aconteceu. Em trinta minutos de espera ouvi quatro diálogos dignos de uma comédia stand-up. O primeiro uma garota filha de pais separados que passaria o final de semana com o pai. O segundo de um jovem que havia perdido a lente de contato em uma viagem a Caldas Novas. O terceiro uma senhora empresária do ramo de confecções, mais especificamente cortinas e o último ao qual  denominaria como uma jovem secretária de si mesmo a anotar os seus recados. Não se preocupem os personagens são auto-explicativos

Sei que é falta de educação ouvir conversas alheias. Assim fui alertado em minha infância. Por sinal o telefone da casa ficava em lugares reservados aos quais as crianças não se aproximavam quando alguém estava a falar. Pois, conversa ao telefone era algo muito sério. Assuntos dignos que se resumiam em uma ordem pré-estabelecida: trabalho, saúde e parentes distantes. Além do fato de ser privilégio de poucos possuírem telefone em casa. De modo, que o filho mais novo era obrigado a chamar o vizinho a qualquer hora do dia e da noite. Pois, com certeza algo sério havia acontecido.

— Corre fulano!Vai chamar o sicrano que beltrano está a ligar. E é rápido!

Cansei de ouvir tal ordem. Mas, tudo bem os dias são outros. E o resultado disso em bom idioma lusitano “tele móvel” Pois, eis a experiência dos infernos em pleno séc. XXI.
Aproximava-se das 14h, quando uma adolescente nos surpreende com a música mais tocada dos últimos meses.
“Nossa! Assim você me mata. Ai seu te pego?” Após, contemplar algumas pessoas ensaiarem comicamente a coreografia do hit. Eis que começa tão conflituoso acordo de final de semana entre a simpática jovem, a insegura mãe e o pai que desejava curtir um bom final de semana com a filha.
— Pai não!.. No clube de novo... Na última vez o senhor ficou no bar com o pessoal do escritório... Depois o senhor estava cansado... Tínhamos combinado de ir ao cinema... Não! Na casa dela eu já disse que não vou...
—O que? Vocês acham que conseguem colocar tudo isso lá dentro...
Não estás a ficar louco. Neste exato momento entra freneticamente à senhora que citada no inicio da história. O motivo de tal barulho, a conclusão da venda de um jogo de cortinas que deveriam ser  instaladas naquele mesmo final de semana.
—Mas, eles disseram que mudam ainda este final de semana... E como eles vão dormir em um quatro que todos os vizinhos enxergam tudo... Ela disse que quer todas as cortinas... Não quero saber como? Se virem.
— Pai a minha mãe disse que o final de semana é com o Senhor e não com a Judite e as filhas delas. Gritava  menina bem ao centro da sala de espera.
Tan- tanta-tan..tanta.
Não é abertura do jornal nacional e sim um tom polifônico que descobri ser uma música do tal de David Gueta, que ressoava de um i-phone made in China. Pertencia a um jovem baladeiro que teve certa dificuldade em atendê-lo. Motivo da demora descobri assim que ele iniciou o seu monólogo ao lado da senhora das cortinas.
—Fala seu #$%&%$¨¨... Foi de mais aquele dia.... Sim era open-bar... Na moral quer saber?... Tu perdeu meu querido.. Só colírio meu irmão... Não fala sério... Ela te disse isso... Mentira... Fiquei com a aquela loirinha... Sim, mas os cara é vacilão... Eu disse pra ele não me empurrar... Foi... Pó! o que a mina ia faze?... Teve que ficar comigo. Poxa, foi &&&&...  Sim tó te falando...  No Kamikaze... Lá do Hot Park... Ai foi $%@@% Perdi minha lente fiquei cego e a mina teve que levar até o quarto. Pó cara, tu que o que? São 16 graus de miopia (possível votar as cegas). Não via um palmo a minha frente... Nada mesmo... Mais depois de trocentas ice e sei lá quantas cervas... Não vi mais nada. Sim tó aqui no oculista...
—Eu já disse! Elias Tem que colocar todas! Irritada gritava a empreendedora com o seu funcionário.
—Pai a minha mãe não vai deixar! Disse a menina.
—Me dá este telefone, deixa-me falar com o seu pai. Eu já disse. Ela não vai, para casa da Judite. E ponto final. Esbravejou a mãe com ciúmes da atual namorada do ex-marido.
—Como é que, você não pode vir me buscar? Mas, como vou fazer quando sair daqui? Disse o jovem baladeiro cego.
—Mário cinco horas, pode fazer o favor de buscar a Aline. Daqui, eu vou para academia. Ordenava a senhora ao ex-marido mediante a necessidade.
—Elias saindo daqui eu vou direto pra lá. Espero que esteja pronto. Completava a senhora das cortinas.
—Beleza, aquele *&¨&& vem me buscar.... Falou mano. Mas tu perdeu meu irmão...
Posso lhes afirmar esses foram trechos escutados de modo obrigatórios pelos presentes naquele ambiente e acredito também em outros circunvizinhos. Nem com o uso de toda habilidade de taquígrafo, conseguiria transcrever todos aqueles monólogos. Talvez diálogos, ou melhor, um Chat inconveniente e chato.

Acredito que  deve estar a pensar, qual foi o final disto? Posso lhes dizer que todos os presentes politicamente corretos não deram nenhum chilique. Muito menos intrometeram nas conversas. Os diálogos foram interrompidos por uma selvagem cena. Um ato explicito de falta de civilidade.
Um senhor que chegava atrasado e sem saber o que fazia ali, após aquele carnaval antecipado. Sem perceber a grande placa em letras garrafais contendo um símbolo universalmente conhecido.
PROIBIDO FUMAR!
De modo desrespeitoso aos presentes, sacou de seu bolso cigarro e isqueiro dando inicio a um incomodo incêndio. A cena foi rapidamente interrompida por duas pessoas que se sentiram sufocadas. Não estranhe, mas, a mãe da jovem de pais separados conseguiu listar em segundos todos os palavrões inimagináveis por mim até aquele dia. Os mesmo que foram anotados pelo jovem baladeiro e  fez questão postar no facebook e twitter em tempo real.
>Barraco sensacional no oculista!<
A outra pessoa a se manifestar foi a  conhecida empreendedora de cortinas. Que  chamou a jovem secretária com gritos estridentes.
—Escuta moça! Você não está a ver o que acontece aqui?

Fiquei muito feliz, pois, o meu anjo da guarda que não havia retornado do almoço  ate aquele momento deu o ar da graça e fui chamado para o atendimento.

Ao sair do consultório ainda foi possível ouvir o ultimo monólogo, Felizmente não foi possível identificar a pessoa, mas sei que era voz feminina. Ao qual logo percebi  que era a secretária de si mesmo. Suspeita confirmada pelo teor do breve diálogo.
—Oi minha linda, não posso atender agora, mas me diga o seu numero te ligo daqui a pouco. Estou esperando uma ligação... Ah. Desculpe esqueci...O número fica  gravado; Até... Beijo tchau.

Não sou fumante, muito menos gosto que fumem perto de mim. Mas, quem sabe não esteja na hora de acrescentarmos junto aquela já tão habitual e saudável placa contra o cigarro
“PROIBIDO O USO DE CELULAR NESTE AMBIENTE”.
Nascido com a alcunha de  personal-telephone o celular começa a roubar o titulo de um velho conhecido. Pois, apesar do Orelhão ainda ser o dono do título de telefone público, começo a rever meus conceitos.
— Alo! Pra quem? Dona Júlia. Sim vou mandar chamar...
— Menino sai de perto deste orelhão que a moça quer falar com o namorado.....

Ennis Araujo

2 comentários:

  1. Ahhhh! Celular tem lá suas vantagens.
    Dá pra ver as horas nele, usar como despertador, dá pra tirar fotos, dá pra fingir que é uma arma durante um assalto, dá pra tacar na cabeça do namorado quando ele irrita a gente... enfim, mil e uma utilidades. Não olhe apenas o lado ruim, rsrsrs!

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  2. Frei, muito fera!! Eu fiquei pensando...Tudo isso num consultório? KKKK Ei, o meu eu uso como gravador também, para registrar as minhas músicas.rsrsrsrsr Um abração!! Saudades! NB

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